sábado, 31 de julho de 2010

Acessibilidade na igreja

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A igreja "Santa Maria Delle Grazie" garante a acessibilidade dos fiéis com deficiência física ao confessionário.

Isso é raro aqui no Brasil (cf. em http://www.revistainclusiva.com/?p=234).

Decisão do TJ-SP levanta polêmica sobre direito de autor de crime de trânsito fugir do local

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que o art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro - que incrimina a fuga do motorista envolvido em acidente de trânsito - é inconstitucional.


Sobre o tema, já me manifestei da seguinte forma:

Fuga do local do acidente e privilégio contra a auto-incriminação – a constitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro

José Eduardo de Souza Pimentel[1]

O art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, que define como crime o ato de “afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”, vem sendo acoimado de inconstitucional por parte da doutrina, diante do que dispõe o art. 5º, LXIII, da Carta Republicana, que proclama o direito ao silêncio e se constitui em garantia contra a auto-incriminação.

Sustenta-se que o condutor do veículo envolvido em acidente tem o dever moral de permanecer no local, mas, se não o fizer, não poderá ser responsabilizado criminalmente, com risco à sua liberdade.

O tipo penal, contudo, segue “a trilha da maioria das legislações, definindo o ‘crime de fuga’, forçando o motorista a permanecer no local do acidente de trânsito, com isso não dificultando a apuração da responsabilidade penal e civil”[2].

Atento a isso, pensamos que o art. 305 do CTB não conflita com o art. 5º, LXIII, da CF, que, aliás, não tem o alcance que lhe emprestam esses juristas.

Com efeito, o art. 5º, LXIII, CF consagra o direito de permanecer calado, inovação da Carta de 1988, segundo o qual “ninguém pode ser obrigado a dar qualquer possibilidade de se lhe arrancar, pela habilidade técnica, palavras que possam ser utilizadas contra sua defesa e, pois, em favor de sua condenação; e, por outra, ninguém pode ser obrigado a exprimir-se, a falar, quando não quer ou não lhe convenha. E seu silêncio não pode ser tido como consentimento. Aliás, em matéria jurídica em hipótese alguma vale a parêmia ‘quem cala, consente’. Uma interpretação desse jaez, agora, está constitucionalmente afastada. A norma é de permanência, o que dá direito ao preso de ficar sempre calado, inclusive diante do juiz”[3].

Cuida-se, à evidência, de garantia essencialmente processual, que não inibe a possibilidade de se incriminar a fuga do local do acidente, conduta altamente reprovável e que, pelas suas consequências, pode, por opção do legislador, ensejar a resposta penal.

Tem-se dito, em favor da tese da inconstitucionalidade, que a responsabilidade civil ou criminal do indivíduo que causa um acidente de trânsito não depende de sua permanência no local da ocorrência. Desse modo, a finalidade da norma incriminadora seria alcançável pela aplicação das leis civis e penal, tornando despicienda a tutela penal.

O argumento é interessante, mas serve à opinião contrária, precisamente porque evidencia a distinção entre os institutos.

Quando o art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro impõe ao condutor o dever de permanecer no local do acidente, não o obriga a fazer prova contra si. Na verdade, o dever de não se afastar do local do acidente existe para os condutores envolvidos, independente da culpa que possam ter pelo fato. Em consequência, a atitude do condutor – de permanecer no local ou fugir – não induz presunção alguma de sua responsabilidade, civil ou criminal, realçando a idéia de que a colaboração com a justiça e a auto-incriminação não são faces da mesma moeda.

O STF tem afirmado que o exercício do direito de permanecer em silêncio é prerrogativa fundamental e a compreende com o seguinte contorno:

“O direito ao silêncio - enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) - impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado" (HC no 79.812-SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16.02.2001)

Não passa despercebido à Corte, porém, que essa garantia “tem sido objeto de críticas da sociedade e dos meios de comunicação, no sentido de se conferir um bill of indemnity”, advertindo-nos sobre o equívoco de se “atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas” (HC 92.225 – DF, Decisão monocrática, j. 14/8/2007). No campo dos direitos fundamentais, compete ao interprete, antes de mais nada, identificar precisamente os contornos e limites de cada direito.

Com essas premissas, o STF concedeu, nos autos do HC referido, salvo-conduto a investigado por CPI para garantir ao paciente “o tratamento próprio à condição de acusado ou investigado, assegurando-se-lhe o direito de: i) não assinar termo de compromisso na qualidade de testemunha; e ii) sobre os assuntos que não haja dever legal de sigilo, permanecer calado, em seu depoimento perante a CPI, sem que, por esse motivo específico, seja preso ou ameaçado de prisão”. Essa Decisão, contudo, trouxe expressa ressalva, que, para nós, constitui a chave para o deslinde da questão: “com relação aos fatos que não impliquem auto-incriminação, persiste a obrigação de o depoente prestar informações”, ou seja, colaborar com o trabalho da comissão.

É lícito entender que o dever de permanecer no local do acidente corresponde ao dever de comparecer perante uma CPI, à Polícia ou em Juízo. Honra-se, com isso, a dignidade e a administração da justiça, sem tisnar a garantia constitucional do direito ao silêncio, cujos contornos são mais restritos e intimamente relacionados àqueles fatos ilícitos que poderão, eventualmente, ser atribuídos ao investigado.

Por isso, não vemos incompatibilidade entre o crime de fuga do local do acidente e o art. 5º, LXIII, CF.



[1] Promotor de Justiça/SP e Mestre em Direito Processual Penal pela PUC/SP.

[2] Damásio E. de Jesus, Crimes de trânsito, 7ª. ed., rev. e atual., São Paulo, Saraiva, p. 147.

[3] José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 4ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 159.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Esperteza cabocla na “guerra fiscal”

Do site do Ministério Público do Estado de São Paulo:

TJ acolhe ação da PGJ e julga inconstitucional lei que beneficia

Monteiro Lobato na “guerra fiscal”

Veja a inicial: http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/Civel/Controle_Constitucionalidade/Adins_PGJ_Iniciais/ADINI-27611-09_24-04-09.htm

O Tribunal de Justiça julgou procedente ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) proposta pelo procurador-geral de Justiça, Fernando Grella Vieira, contra a lei nº 1.216 do município de Monteiro Lobato que autoriza a instalação de escritórios virtuais e conseqüentes aberturas de firmas prestadoras de serviços no mesmo endereço.

Na ação, o procurador-geral de Justiça argumenta que a lei, aprovada pela Câmara e promulgada em setembro de 2002, foi criada com o objetivo de atrair contribuintes do Imposto Sobre Serviço (ISS) e aparelhar o Município para a “guerra fiscal”. Graças à lei, diversas empresas obtiveram inscrição no cadastro de contribuintes, e, desse modo, se beneficiam da tributação do ISS com alíquota reduzida praticada pelo município de Monteiro Lobato.

De acordo com a ADIN, ao permitir a instalação de “escritórios virtuais”, com “abertura de inscrição individualizada”, o legislador de Monteiro Lobato acabou burlando os conceitos legais de domicílio e local de estabelecimento criados por normas federais: o Código Civil, o Código Tributário nacional e Lei Complementar nº 116/2003. “A Constituição da República não permite que o legislador local discipline matéria reservada à legislação federal ou à estadual”, argumentou o procurador-geral na ação.

Ainda segundo a argumentação do procurador-geral de Justiça, “quando o legislador municipal edita ato normativo que tangencia a competência do legislador federal, não se tem pura e simplesmente por violada uma norma contida na Constituição Federal, mas sim, de modo patente e direto, verifica-se o desrespeito a um princípio constitucional latente na Lei Maior, qual seja, o princípio da repartição constitucional de competências”, que decorre do pacto federativo.

“Violando-se um princípio constitucional (pacto federativo – repartição constitucional de competências), o que se tem é a ofensa ao art. 144 da Constituição Paulista que prevê que ‘Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição’”, diz a ação.

Em seu voto, o relator da ação no Tribunal de Justiça, desembargador Palma Bisson, escreveu que “o texto impugnado teria verdadeiramente burlado os conceitos legais de domicílio e estabelecimento ditados pelo Código Civil, pelo Código Tributário Nacional e pela Lei Complementar nº 116/2003, todos estes que, a par de extrapolarem o interesse local, ainda pressupõem presença de estrutura, ainda que mínima, ao desenvolvimento de atividade empresarial”. No entender do relator, “... dita burla é gritante e flagrante a inconstitucionalidade da lei telada, posto haver criado, ao perpetrar aquela, modalidade de domicílio ou estabelecimento de pessoa jurídica que em concreto é nada, a se considerar, justamente, que virtual é algo que não é físico, apenas conceitual; não é palpável; é a abstração do real, ou sua simulação”.

No entender do relator, “o chamado escritório virtual de simulação não passa” e a lei municipal “foi além, transformando domicílio e estabelecimento, obrigatoriamente concretos naquelas (leis federais), numa inaceitável abstração tributária”.

O desembargador Maurício Vidigal, que acompanhou o relator, fez declaração de voto vencedor no qual ressalta que, a seu ver, “foi violado ainda o princípio da moralidade pública, também inspirado da Carta Estadual, pela permissão não disfarçada de criação de estabelecimento simulado para o fim de fraudar a regular repartição das receitas tributárias”. Ele acrescenta: “Se a lei se destina também a ocultar fraude de empresas que estabeleceram sedes fictícias no município, prejudicando outros onde impostos sobre serviços deveriam ser recolhidos, não há como entendê-la compatível com a moralidade pública”. Finaliza o desembargador Vidigal: “Ela é veemente expressão da chamada ‘esperteza cabocla’ que tanto nos envergonha, principalmente quando adotada por entes públicos. Impossível, portanto, mantê-la no ordenamento jurídico”.

Fonte:

http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/noticias/publicacao_noticias/2010/Maio_10/870E12D25EF2F39DE040A8C0DD010C6C

Acesso em 25 Mai 2010.

domingo, 28 de março de 2010

O Ministério Público e o sistema acusatório (aula do dia 27.03.2010)

José Eduardo de Souza Pimentel

PÓS PENAL E PROCESSO PENAL – DAMÁSIO

http://www.damasio.com.br/pos/cursos/7.php


1. Classificação dos sistemas processuais:

1.1. Inquisitivo

1.2. Acusatório

1.3. Misto

2. Sistema acusatório

2.1. As funções de acusar (pública/privada), defender e julgar são incumbidas a diferentes pessoas

2.2. Na medida em que se diminuem os poderes “de ofício” do juiz (por ex. – iniciativa da ação) mais nos aproximamos do sistema acusatório puro.

2.3. A Constituição Federal revogou os procedimentos judicialiformes e reforçou uma tendência ao processo acusatório

2.3.1. Para Ada P. Grinover, o processo acusatório admite as formas adversarial (desenvolvimento dependente das partes) e inquisitorial (desenvolvimento oficial).

Desse modo, “o conceito de processo acusatório e de processo de partes (no sentido de a acusação e a defesa serem sujeitos da relação jurídica processual, juntamente com o juiz) nada tem a ver com a iniciativa instrutória do juiz no processo penal” (A iniciativa instrutória do Juiz no processo penal acusatório).

Distinção:

2.3.1.1. – adversarial system – as partes em litígio conduzem suas investigações. O juiz é neutro, efetivamente, e inerte. Só intervém quando a lei determina ou a parte solicita. O sistema é criticado, pois sua eficiência depende muito da habilidade e da lealdade das partes. Pondera-se que os órgãos do Estado são mais bem aparelhados e isso torna irreal o princípio da igualdade das partes.

2.3.1.2. – inquisitorial system – o processo constitui uma indagação. É irrelevante se o acusado admitiu a culpa. O juiz colhe as provas de maneira independente e não está preso à disputa das partes.

2.3.1.3. Concepção publicista do processo.

Idéia central: o direito processual é ramo autônomo, regido por princípios publicistas. “Os objetivos da jurisdição e do seu instrumento, o processo, não se colocam com vista à parte, a seus interesses e a seus direito subjetivos, mas em função do Estado e dos objetivos deste” (Ada). Busca-se a efetividade e o cumprimento da função social do processo, que está acima do interesse das partes. Nessa concepção, o juiz é, necessariamente, ativo.

2.3.1.4. Considerações:

O juiz tem o dever de manter o equilíbrio efetivo entre as funções de acusar e defender, para que a persecução não se transforme num simulacro a serviço da condenação ou da absolvição (ex. – poder de declarar o réu indefeso, com reconhecimento de nulidade insanável – art. 564, III, l, CPP).

Para Ada: “Quando [o juiz] determina que se produza uma prova não requerida pelas partes, ou quando entende oportuno voltar a inquirir uma testemunha ou solicitar esclarecimentos do perito, ainda não conhece o resultado que essa prova trará ao processo, nem sabe qual a parte que será favorecida por sua produção. Longe de afetar sua imparcialidade, a iniciativa oficial assegura o verdadeiro equilíbrio e proporciona uma apuração mais completa dos fatos. Ao juiz não importa que vença o autor ou o réu, mas interessa que saia vencedor aquele que tem razão”.

Crítica de Aury Lopes Jr: postura ativa do juiz – absurdo do conceito. O sistema acusatório (puro) “é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranqüilidade psicológica do juiz que irá sentenciar... conduz a uma maior tranqüilidade social, pois se evita que eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz ‘apaixonado’ pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação”.

Posição de Ada P. Grinover: “Não se confunda o que se disse quanto aos poderes do juiz no processo e à sua iniciativa probatória com a atribuição de poderes para buscar elementos probatórios durante a fase da investigação prévia. Esta não pode ser confiada ao juiz, sob pena de se retornar ao juiz-inquisidor do modelo antigo. Durante a investigação, o juiz do processo acusatório tem apenas a função de determinar providências cautelares”.

Qual a medida de intervenção do juiz: no desempenho de sua função, o juiz não pode avocar para si a função do acusador ou do defensor (na prática é difícil encontrar o ponto de equilíbrio).

3. Sistema inquisitivo

O juiz concentra as funções de acusar e julgar (não é um processo genuíno, cuidando-se, na verdade, de autodefesa do Estado – Alcalá-Zamora).

3.1. Principais características: a) intervenção ex officio do juiz; b) caráter sigiloso do processo com relação ao acusado e a terceiros; c) procedimento e defesa totalmente escritos; d) desigualdade de poderes entre o juiz-acusador e o acusado; e) total liberdade do juiz na colheita da prova; f) encarceramento preventivo do acusado.

3.2. Inversões da carga probatória.

3.3. O acusado é objeto do processo e não sujeito de direitos

Utilitarismo.

Ernst Beling entendeu ser natural que nas épocas em que o Estado viu-se seriamente ameaçado pela criminalidade o Direito Penal tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse que ser inflexível.

4. Sistema misto

É uma adaptação dos dois sistemas, a reunião e a alternação das formas estudadas.

4.1. Primeira fase: instrutória. É secreta e escrita, presidida por juiz com poderes inquisitivos. Segunda fase: contraditória. Nesta se dá o julgamento propriamente dito, com amplo exercício de defesa.

4.2. Não é o sistema brasileiro (que não adotou o Juizado de Instrução). Nele, o inquérito policial não integra a instrução do processo, servindo apenas para formar a opinio delicti do Ministério Público.

Observações sobre o Juizado de Instrução

O juiz instrutor conduz a investigação preliminar com todos os poderes que lhe são inerentes. É um investigador, que atua de ofício, independentemente das petições do MP (o juiz pode investigar ainda que o MP entenda que não existem motivos para isso) e da defesa. Tem sob sua direção a polícia judiciária.

Na maioria dos países que adotam essa figura, existe presunção absoluta da parcialidade do julgador, de forma que quem instrui jamais pode julgar.

 

Seguem as vantagens/desvantagens do sistema, cf. LOPES JR. Aury, Direito processual e sua conformidade constitucional, vol. I, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, p. 232-240.

Vantagens do sistema:

1) a imparcialidade e a independência do juiz instrutor é uma garantia de que a investigação preliminar não servirá como instrumento de perseguição política;

2) a investigação é conduzida por um órgão suprapartes;

3) maior efetividade da investigação (credibilidade do material colhido);

4)o produto final pode servir tanto para a acusação como para a defesa;

5) garantia de que o juiz que instrui não julga

6) quando necessário lançar mão de medidas que limitem direitos fundamentais (cautelares, busca e apreensão, etc), o próprio titular da investigação, que é um juiz, pode adotá-las.

Desvantagens do sistema:

1) modelo superado e intimamente relacionado à figura do juiz inquisidor. O modelo entrou em crise porque foi compreendido como o mais grave impedimento à plena consolidação do sistema acusatório;

2) grave inconveniente: uma única pessoa decide sobre a necessidade de um ato de investigação e valora sua legalidade.

Na Exposição de Motivos do Código Processual Modelo para Ibero-América: “não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, um guardião zeloso da segurança individual; o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor”

3) transforma o processo penal em luta desigual entre inquirido, juiz inquisidor, o promotor e a polícia judiciária. Questão: se o juiz é o inquisidor, quem atuará como garante?

4) por vício inerente ao sistema, a investigação judicial tende a transformar-se em plenária, comprometendo a celeridade;

5) representa gravíssima contradição lógica, pois o juiz investiga para o promotor acusar,muitas vezes contra as convicções do titular da futura ação penal. “Em definitivo, se a investigação preliminar é uma atividade preparatória que deve servir, basicamente, para formar a opinio delicti do acusador público, deve estar a cargo dele e não do juiz, que não pode e não deve acusar”;

6) gera uma confusão entre as funções de acusar e julgar, com inegável prejuízo para o processo penal.

7) por fim, a investigação judicial converte-se em fase geradora de provas, algo absolutamente inaceitável frente ao caráter inquisitivo (a maior credibilidade que normalmente se confere ao juiz instrutor pode levar a que a prova não seja produzida no processo, mas meramente ratificada). Como resultado, tem-se a “monstruosidade” de se valorar na sentença elementos colhidos no procedimento preliminar. Não se pode esquecer, entretanto, que a investigação preliminar deve servir para aclarar o fato em grau de probabilidade e está dirigida a justificar o processo ou o não-processo, jamais para amparar um juízo condenatório.

Princípio do promotor natural

A Constituição Federal conferiu ao MP o papel de zelar pelo respeito aos direitos nela assegurados (art. 129, II), ressaltando-lhe o caráter de órgão de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais indisponíveis (art. 127, caput). É do MP o monopólio da ação penal pública (art. 129, I), o que o torna um advogado da sociedade.

Lei n. 8.625/93 – LONMP – art. 26, § 5º - “toda representação ou petição formulada ao Ministério Público será distribuída entre os membros da instituição que tenham atribuições para apreciá-la, observados os critérios fixados pelo Colégio de Procuradores”.

LC 734/93, art. 294, § 5º - “a designação da comarca ou da localidade na nomenclatura do cargo fixa o âmbito territorial dentro do qual podem ser exercidas as respectivas funções”.

Da conjugação dessas regras e de diversos aspectos relativos ao devido processo legal (acusatoriedade, contraditoriedade, ampla defesa, paridade de armas, etc) tem-se extraído o princípio do promotor natural.

É a transposição para o MP de garantia construída no âmbito da jurisdição (para alguns, desdobramento do princípio do juiz natural). Foi concebida com o mesmo objetivo, de limitar o arbítrio estatal no desenvolvimento do processo.

STJ, ROHC n. 8.411-BA, DJU 01.07.99:

RHC – CONSTITUCIONAL – PROCESSO PENAL – MINISTÉRIO PÚBLICO – PROMOTOR NATURAL- O Promotor ou o Procurador não pode ser designado sem obediência ao critério legal, a fim de garantir o julgamento imparcial, isento. Veda-se, assim, designação de Promotor ou Procurador ad hoc no sentido de fixar prévia orientação, como seria odioso indicação singular de magistrado para processar e julgar alguém. Importante, fundamental é prefixar o critério de designação. O réu tem direito público, subjetivo de conhecer o órgão do Ministério Público como ocorre com o juízo natural.


Considerações do professor:

O Ministério Público foi concebido para ser o acusador estatal, órgão distinto dos juízes, encarregado de exercer perante eles a ação penal pública.

  1. Existe, entretanto, uma zona do processo penal em que as atuações se sobrepõem.
  2. Juízes e tribunais conservam tarefas próprias da persecução penal (ex. quando decretam medidas cautelares, como a prisão preventiva, de ofício).

Argentina: “Tal realidad se puede observar con nitidez entre nosotros, atados a la tradición inquisitiva hispánico-francesa, conservada por esos países aun a fines del siglo XX, según la cual, aún hoy, el ministerio público tiene un papel reducido en el sistema jurídico de realización penal, cuyos protagonistas principales son los tribunales de justicia, los jueces” (MAIER, Julio B. J. El Ministerio Público: ¿un adolescente?. In: MAIER, Julio B. J. (comp.). El Ministerio Público en el proceso penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 2000, p. 21).

Constituição aponta para o modelo acusatório puro:

a. A atual Constituição da República instituiu, em sua expressão máxima, o processo penal de modelo acusatório. Em seu núcleo imutável (não sujeito a emendas – cf. artigo 60, § 4º), dentre as garantias processuais ali previstas, destaca a ampla defesa e o contraditório.

Contraditório, expressão da bilateralidade do processo (audiatur et altera pars), é o que caracteriza fundamentalmente o processo de partes. Manifesta-se pela atuação de sujeitos em pólos opostos atuando nos atos processuais ativamente e em igualdade de condições (ao ato de uma parte sempre haverá a possibilidade de impugnação pela outra) perante um juiz isento e eqüidistante.

b. A previsão de um Ministério Público autônomo e dotado das mesmas garantias da magistratura para se desincumbir, com exclusividade, da promoção da ação penal pública (artigo 129, inciso I, CF) indica que, no processo penal brasileiro, as funções de acusar e julgar, não obstante afetas ao Estado, são exercidas por órgãos distintos e independentes. Esse aspecto é o traço distintivo entre os modelos inquisitivo e acusatório e consolida o atributo da imparcialidade do julgador.

c. Da atribuição do Ministério Público haurida da Constituição e da expressa previsão à ampla defesa e ao contraditório derivam, portanto, a percepção do processo como um actum trium personarum. Emana dessa noção a impossibilidade de que o processo seja instaurado por iniciativa do órgão julgador ou que este julgue fora dos limites do pedido de prestação jurisdicional:

Para Eduardo José Olmedo, o princípio fundamental do sistema acusatório “es la conditio sine qua non de la actuación de un tribunal para decidir el conflicto, y que los límites de tal decisión están condicionados al reclamo de un acusador y al contenido de ese reclamo (nemo uidex sine actore y ne procedat iudex ex officio), y, por outro ángulo, la posibilidad de resistir por parte del imputado frente a la imputación concreta” (OLMEDO, Eduardo José. Los jueces, el Ministerio Fiscal y la actuación policial. Buenos Aires: La Ley, 2003, p. 2).

d. princípio do juiz natural se destaca da regra de que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5.º, LIII, CF). Órgãos julgadores são constituídos anteriormente aos fatos que lhes serão submetidos a conhecimento no processo. As disposições sobre competência precedem os fatos e, de maneira geral e abstrata, apontam para o juiz competente no caso concreto. Essa regra proíbe a criação de órgãos jurisdicionais ou designação de magistrados especiais para o julgamento de pessoas ou fatos determinados.

e. Modernamente, admite-se haver entre nós o princípio constitucional do promotor natural, que decorre do art. 5º, inciso LIII, da CF. É que, uma vez que os membros do Ministério Público possuem as mesmas garantias da magistratura e desfrutam da independência funcional outorgada pela Constituição Federal, cristaliza-se a idéia de existir um direito subjetivo do acusado de ser processado pelo representante do MP cujas atribuições estão previamente determinadas. Busca-se, com isso, uma atuação mais isenta do promotor no processo.

Há quem sustente que o princípio em comento confere imparcialidade ao promotor de justiça, preservando “a igualdade do tratamento a todos os acusados, sem protecionismos ou excessos acusatórios” (FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 245).

f. princípio repele, portanto, a figura do acusador designado especialmente para atuar num ou noutro caso, como longa manus do Procurador-Geral, e, destarte, com a sua conduta no processo já definida:

Vicente Greco Filho resiste contra o princípio do promotor natural. Sustenta que na persecução penal, até mesmo em virtude de sua repercussão política, deve haver ampla liberdade ao Procurador-Geral de Justiça, “uma vez que a função do Ministério Público deve ser dirigida, acentuada, ou não, em face de certas situações. E isso é possível com o poder de o Procurador-Geral designar promotor especial para o caso, ou, até, equipe de promotores” (GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 218-219, em nota de rodapé)

A concepção publicista do processo confere ao juiz poderes instrutórios que permitem suprir a deficiência das partes na produção da prova destinada à reconstrução dos fatos.

No processo cível, entretanto, de ordinário não há proeminência de uma ou outra parte. Quando uma parte se apresenta em aparente situação de inferioridade, regras sobre ônus e carga probatória equilibram a relação processual.

Ex: Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

No processo penal, tem-se dito que a proeminência é da acusação. De fato, o acusador público tem as mesmas garantias e prerrogativas dos Juízes. Além do mais, só dá início ao processo quando supõe a sua viabilidade.

i. CF/88 – ampliou funções do MP. Instituição permanente e essencial à função jurisidicional do Estado. Defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (inclusive o do réu no processo penal).

ii. Garantias dos membros: vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos.

iii. Agentes políticos: atuam com plena liberdade funcional.

iv. Princípios da instituição: unidade, indivisibilidade e independência funcional.

v. Autonomia administrativa e orçamentária.

Será que no âmbito do processo penal os poderes instrutórios do juiz se justificam? Então, quem garante “o estado de inocência” do acusado?

Art. 28.  Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:  (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

 

Para Adauto Suannes, o processo penal moderno é o garante da liberdade do imputado e de seu estado de inocência, “até o momento em que o Estado demonstre, pelo órgão incumbido disso, a necessidade de cercear-se aquela liberdade, seja pela ocorrência de fato grave ensejador de provimento cautelar a ser solicitado ao juiz, que o apreciará, seja em vista da comprovação cabal dos fatos e sua autoria”.

Sob essa ótica, observa que o juiz criminal moderno é o garantidor dos direitos constitucionais do acusado, estando comprometido com a regularidade formal do processo (e as formalidades do processo constituem-se em salvaguardas do réu e condições indispensáveis ao julgamento justo) e com o tratamento igualitário das partes. Vê grave deformação da atuação jurisdicional nos provimentos ex officio, muitas vezes justificados pelo escopo da busca da verdade real. Afirma o autor que quem deve perseguir a verdade real é o Ministério Público e não o juiz, pois, de outra forma, este não se apresentará como alguém desinteressado pelo resultado da ação (SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 146-176)

O exercício da função garantista que desempenha o juiz no processo penal é incompatível com as normas procedimentais que atribuem ao magistrado a função de produzir a prova incriminadora. A propósito, pronunciou-se Jorge Caferatta Nores: “los jueces son funcionarios encargados de resguardar a los ciudadanos frente a los excesos punitivos que pueda cometer el estado. Pero si a los jueces queremos adjudicarles la tarea de probar que ese ciudadano es culpable, no es un Juez. Hay un viejo refrán que dice: ‘Al que tenga el Juez como fiscal, necesita a Dios como defensor’” (Apud: OLMEDO, Eduardo José. Los jueces, el Ministerio Fiscal y la actuación policial. Buenos Aires: La Ley, 2003, p. 114).

Qual a natureza da função exercida pelo juiz na fase de investigação? Administrativa ou jurisdicional?

  1. Administrativa: controle de prazo do IP, controle da Polícia Judiciária (qual o fundamento constitucional p/ isso? A função não é do MP? – art. 129, VII,CF)

STJ:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SINDICÂNCIA INSTAURADA E PRESIDIDA POR JUIZ CORREGEDOR, PARA APURAR CRIME, EM TESE, PRATICADO POR AUTORIDADE POLICIAL. TRANCAMENTO. É defeso a Juiz Corregedor instaurar e presidir sindicância para apurar crime praticado, em tese, por Autoridade Policial. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso). Recurso provido”. (RHC 15170/SP; Recurso ordinário em habeas corpus n. 2003/0192981-3, Relator Ministro Felix Fischer, 5ª. T, Data do Julgamento: 23 jun. 2004, DJ 13 set. 2004, p. 262).

“PROCESSUAL PENAL. SINDICÂNCIA INSTAURADA POR JUIZ CORREGEDOR PARA APURAR EVENTUAL PRÁTICA DE INFRAÇÃO POR POLICIAL CIVIL. INCOMPETÊNCIA. 1. Compete a própria Administração Pública a instauração de sindicância para apuração de responsabilidade disciplinar de agente de Polícia Judiciária, integrante do Poder Executivo Estadual. 2. Recurso Ordinário provido para trancar sindicância instaurada por Juiz Corregedor”. (RHC 10604/SP; Recurso ordinário em habeas corpus n. 2000/0111011-0, Relator Ministro Edson Vidigal, 5ª. T, Data do Julgamento: 6 fev. 2001, DJ 12 mar. 2001, p. 154 e LEXSTJ vol. 142, p. 280).

 

2. Jurisdicional: medidas cautelares (como órgão de repressão criminal ou como juiz de garantias?)

Interessante decisão de tribunal argentino, transcrita por Pedro J. Bertolino: “Como una de las características del nuevo ordenamiento procesal penal, y en concordancia con las normas constitucionales que deben ser respetadas en el proceso, se desdobra claramente, y en especial en la etapa de la investigación penal preparatoria, la actividad requirente llevada a cabo por el Ministerio Público Fiscal, quien está a cargo de la instrucción, de la decisoria, representada por el señor juez de garantías. Esta separación de roles determina que quien investiga no decide sobre las medidas de coerción personal o real que pueda imponerse al sujeto sobre quien pesa uma imputación penal” (Câmara de Apelaciones y Garantías de San Nicolas, causa 304, ‘Valienta, Mario, y otros’, del 9/10/98).

Num outro julgado, citado pelo mesmo autor, delimitam-se os campos de atuação do fiscal e do juiz de garantias, pelo aspecto negativo da atuação deste último: “el juez de garantías carece de facultad para instruir la investigación penal preparatória” (Juzgado de Garantías nº 2 de Mercedes, causa ‘Bravo, Oscar, s/ robo calificado’, de octubre de 1998) (BERTOLINO, Pedro J. El juez de garantías en el Código Procesal Penal de la Província de Buenos Aires. Buenos Aires: Depalma, 2000, p. 17).

“Correição parcial - Matéria criminal - Indeferimento da volta do inquérito à Polícia, requerida pelo Ministério Público, para novas diligências - Inadmissibilidade - Pedido deferido: Descabe ao juiz indeferir a volta do inquérito à Polícia, para diligências requeridas pelo Ministério Público a fim de melhor apuração do fato” (Brasil. Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Correição parcial n. 266.989 – Capital – 7ª. Câmara – requerente: Justiça Pública – requerido: Juízo de Direito da 28ª. Vara Criminal – j. 21 mai. 1981 – rel. Denser da Sá – RT 557/348);

“Inquérito policial - Diligências requeridas por promotor público antes da denúncia - Indeferimento pelo juiz - Sustação daqueles autos - Inadmissibilidade - Correição parcial deferida”. A ingerência do juiz na fase investigatória há de se fazer com toda cautela. Certo não ser ele figura inerte e decorativa. Nem deve sê-lo. No curso da ação penal não é de se estranhar se, na busca da verdade real, determinar esta ou aquela dilligência. Mas antes de seu início não é recomendável que o faça, para que se não confunda a figura do juiz com a do inquisidor, ou qualquer interesse da parte, com graves danos para o sistema acusatório adotado pelo legislador pátrio (Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Correição parcial n. 14.426-3 – Capital – requerente: 22º Promotor Público – requerido: Juiz de Direito da 19ª. Vara Criminal – 14 jun. 1982 (data do acórdão) – rel. Prestes Barra – RT 572/319).

Hugo Nigro Mazzilli sustenta que quem decide sobre a imprescindibilidade da diligência é o Ministério Público, eis que ao órgão compete a valoração do interesse que lhe incumbe defender. E argumenta: “se é este o titular privativo da ação penal pública (CF, art. 129, I), não teria sentido coubesse ao Poder Judiciário dizer que é dispensável uma diligência, tida pelo Ministério Público como imprescindível para formar sua convicção sobre a pretensão punitiva. Se o Ministério Público goza de parcela da soberania estatal para dizer a palavra final sobre se é ou não caso de promover a ação penal pública, consectário disso é que estabeleça quando e em que medida as informações o satisfazem para formar sua opinio delictis”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. Considerações sobre a aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal. In: Revista Justitia, São Paulo: Associação Paulista do Ministério Público, ano 63, vol. 193, jan./mar., 2001).

É preciso, entretanto, pensar em mecanismos de controle da atuação do promotor de justiça diante do inquérito policial. Impõe-se que haja efetiva fiscalização do exercício de seu poder de requisitar diligências, sendo admissíveis apenas aquelas que se reputam imprescindíveis (art. 16 do CPP), visando não somente a observância pelo dominus litis do princípio da obrigatoriedade, como também impedir que a fase informativa se estenda indefinidamente. É curial, entretanto, que, com o aprimoramento do sistema acusatório, esse controle se efetive no âmbito do Ministério Público e sem provocação do juiz.

  1. Para o processo penal de modelo acusatório de que trata a Constituição não basta que se distingam as funções de acusar e julgar. As garantias do “estado de inocência” e dos direitos fundamentais dos imputados exigem urgente redefinição dos papéis do MP e do juiz, em especial na fase pré-procedimental.
  2. Inconstitucionalidades do CPP (modelo acusatório constitucional):
    1. Art. 28 – controle do princípio da obrigatoriedade
    2. Art. 156 – iniciativa probatória do juiz na fase pré-processual

Projeto do novo CPP aprovado na CCJ do Senado:

Dia 17.03.2010: PLS n. 156/09 foi aprovado pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça do Senado Federal.

Segue ao Plenário.

Novidades:

MODELO ACUSATÓRIO (juiz não pode “substituir” a acusação na “atuação probatória”)

Art. 4º O processo penal terá estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

JUIZ DE GARANTIAS

Art. 14. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

(...)

Art. 16. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 14 ficará impedido de funcionar no processo, observado o disposto no parágrafo único do art. 701.

CONTROLE DO INQUÉRITO PELO MP

Art. 31. O inquérito policial deve ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, estando o investigado solto.

§1º Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo sem que a investigação tenha sido concluída, o delegado de polícia comunicará as razões ao Ministério Público com o detalhamento das diligências faltantes, permanecendo os autos principais ou complementares na polícia judiciária para continuidade da investigação, salvo se houver requisição do órgão ministerial.

§2º A comunicação de que trata o §1º deste artigo será renovada a cada 30 (trinta) dias, podendo o Ministério Público requisitar os autos a qualquer tempo.

§3º Se o investigado estiver preso, o inquérito policial deve ser concluído no prazo de 15 (quinze) dias.

JUIZ, VÍTIMA E PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE

Art. 37. O órgão do Ministério Público poderá requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, seja por insuficiência de elementos de convicção ou por outras razões de direito, seja, ainda, com fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena

Parágrafo único. O juiz das garantias, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Art. 38. Deferido o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o juiz das garantias comunicará a sua decisão à vítima, ao investigado e ao delegado de polícia.

§1º Se a vítima, seu representante legal ou terceiros interessados não concordarem com o arquivamento do inquérito policial, poderão, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à instância competente do Ministério Público, conforme dispuser a respectiva lei orgânica, para apresentar a denúncia ou recorrer da decisão de arquivamento.

§2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e ainda de suas autarquias, fundações e empresas públicas, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial.

INTERROGATÓRIO

Art. 70. No interrogatório realizado em juízo, caberá à autoridade judicial,depois de informar o acusado dos direitos previstos no art. 65, proceder à sua qualificação.

Parágrafo único. Na primeira parte do interrogatório, o juiz indagará ainda sobre as condições e oportunidades de desenvolvimento pessoal do acusado e outras informações que permitam avaliar a sua conduta social.

Art. 71. As perguntas relacionadas aos fatos serão formuladas diretamente pelas partes, concedida a palavra primeiro ao Ministério Público, depois à defesa.

§1º O defensor do corréu também poderá fazer perguntas ao interrogando, após o Ministério Público.

§2º O juiz não admitirá perguntas ofensivas ou que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem repetição de outra já respondida.

Art. 72. Ao término das indagações formuladas pelas partes, o juiz poderá complementar o interrogatório sobre pontos não esclarecidos, observando, ainda, o disposto no §3º do art. 66.

TESTEMUNHAS

Art. 176. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta,não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

§1º Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

§2º Se das respostas dadas ao juiz resultarem novos fatos ou circunstâncias, às partes será facultado fazer reperguntas, limitadas àquelas matérias.

BIBLIOGRAFIA

DEMERCIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf, Curso de processo penal, 4ª. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 25-28.

GRINOVER, Ada Pellegrini, A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, Revisa Forense, v. 347, Rio de Janeiro, jul./ago./set. 1999. Disponível em <http://www.metajus.com.br/textos_nacionais/texto-nacional21.html>. Acesso em 10 mar.2010.

LOPES JR. Aury, Direito processual e sua conformidade constitucional, vol. I, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, p. 57-81 e 232-240.

LOPES, José António Mouraz, A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português. In: Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica 83, Coimbra, Coimbra Editora, 2005.

PIMENTEL, José Eduardo de Souza, Processo penal garantista e repressão ao crime organizado. A legitimidade constitucional dos novos meios de investigação e prova diante do crime organizado. Dissertação de mestrado. PUC/SP, 2006. Disponível em <http://biblio.pucsp.br>. Acesso em 10 mar. 2010.

PIMENTEL, José Eduardo de Souza, O princípio da dignidade da pessoa humana no processo penal. In: MIRANDA, Jorge e SILVA, Marco Antonio Marques da (coord.), Tratado luso-brasileiro da dignidade humana, São Paulo, Quartier Latin, 2008.


Leitura sugerida:

Ada Pellegrini Grinover, A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, Revisa Forense, v. 347, Rio de Janeiro, jul./ago./set. 1999. Disponível em http://www.metajus.com.br/textos_nacionais/texto-nacional21.html. Acesso em 10 mar.2010.

Denis Sampaio, A gestão da prova no processo penal, Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Ano I, Número 1, 2009, p. 1-21. Disponível emhttp://www.prrj.mpf.gov.br/custoslegis/revista/2009/aprovados/2009a_Dir_Penl_Sampaio%2001.pdf. Acesso em 9 mar. 2010.

Otacilio José Barreiros, O papel do juiz no processo civil moderno. Revista Justitia, São Paulo, Disponível em http://www.revistajustitia.com.br/artigos/2w2a27.pdf. Acesso em 9 mar.2010.

 

Questões:

  1. O que distingue o processo penal acusatório do processo penal inquisitório.
  2. O que se entende por inquisitorial system? Esse modelo é compatível com o processo penal acusatório?
  3. No processo penal acusatório, que limites se impõem à atuação “de ofício” do juiz?
  4. Com base em que argumentos, Denis Sampaio afirma que nosso processo penal é inquisitório? Você concorda com essa conclusão? Por que?
  5. Qual a concepção moderna de “princípio dispositivo”? A idéia se aplica ao processo penal brasileiro?

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Acabei de ler "Código da Vida", de Saulo Ramos.

Gostei.

O livro é interessante e, por vezes, nos surpreende com as revelações do autor sobre os bastidores do poder.

Imputam-se condutas criminosas e/ou desonrosas a Presidentes da República, Senadores, Deputados, Ministro do STF, e conhecidos personagens da história contemporânea.

O testemunho é consistente e detalhado. Só por isso, a leitura se justifica.

Sarney, entretanto, não só é poupado, como também nos é apresentado como o mais bem-intencionado dos homens públicos. Duvido que o seja.

As "mutretas" da advocacia também estão escancaradas no livro, como revela a passagem do homicida orientado pelo escritório sobre o que deveria dizer à Polícia, por ocasião de sua apresentação espontânea ao Delegado.

Por essas e outras, o autor não está acima do bem e do mal, tal como ele se apresenta.

A obra contém imprecisões, como demonstra, aliás, o artigo de Márcio Chaer, diretor da "Consultor Jurídico", intitulado "Lorotas a granel" (cf. em http://www.conjur.com.br/2007-jun-27/saulo_ramos_reescreve_historia_causa_propria). De qualquer modo, ao final da leitura, deixa a impressão de que o Brasil não tem mais jeito.

domingo, 3 de janeiro de 2010

“O rio de Piracicaba vai jorrar água prá fora” (Rio de Lágrimas – André & Mazinho)

O rio Piracicaba atingiu 5,80m em 31.12.2009, com vazão de 595m3 por segundo, de acordo com o JORNAL DE PIRACICABA de 02.01.2010.

A água avançou pela rua do Porto e pelo parque municipal, desentocando escorpiões e outros bichos.

Uma sucuri de 5m foi vista no Engenho Central. Os bombeiros foram chamados, mas não conseguiram capturá-la.