segunda-feira, 1 de julho de 2019

Sobre a Política Nacional do Processo Judicial Eletrônico: comentários ao Acórdão do CNJ nos autos nº 002582-36.2019.2.00.0000

No dia 25 de junho de 2019, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ frustrou a pretensão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP de contratar a Microsoft para o desenvolvimento de sua plataforma do processo digital (Procedimento de Competência de Comissão 002582-36.2019.2.00.0000, rel. Cons. Márcio Schiefler Fontes).

O longo Acórdão reafirmou a vigência da Política Nacional de Tecnologia da Informação, instituída pela Resolução CNJ 185/2013, cuja base é a adoção de sistema único - o PJe - em todo o território nacional. 

Destaco, aqui, as informações mais relevantes contidas no voto do relator.

1. O PJe, oficializado em 2011 (129ª Sessão Ordinária do CNJ), é adotado em 70 tribunais. 

2. O desenvolvimento do PJe é lento (o módulo criminal, iniciado em 2010, foi entregue ao TJ/DF em 2019, limitado à fase de conhecimento) e confuso (a atual versão do PJe - a 2.1.- é incompatível com a versão corrente do Modelo Nacional de Interoperabilidade, o MNI 3.0.).

 3. O "core" não pode ser alterado sem o aval do CNJ (é open source, não software livre).

4. O CNJ reconhece que o PJe possui limitações e é alvo de objeções, mas ainda aposta no seu desenvolvimento colaborativo e contínuo.

5. O TRT da 9ª Região quis substituir o PJe em operação e desenvolvimento por seu antigo sistema (SUAP), concebido pelo SERPRO em 2009. Não pode fazê-lo por Decisão do CNJ (Recurso Administrativo em Pedido de Providências 0000292-53.2016.2.00.0000 - Rel. Aloysio Corrêa da Veiga - 267ª Sessão Ordinária - j. 06/03/2018).

6. O TJSP admitiu formalmente ao CNJ “o esgotamento tecnológico do atual sistema de tramitação de processos judiciais - o SAJ-JUD (...), que não é estável, sendo alvo constante de travamentos e indisponibilidades”.

7. O contrato com a Microsoft, ora glosado, buscava a realização de uma plataforma para o processo eletrônico concebida "do zero", a partir de produtos de prateleira (Office 365, Dynamics 365 e Azure) e da adoção do "low-code platform" (desenvolvimento do software por meio de interfaces gráficas e configuração, em contraste com as linhas de código da programação tradicional).

8. O CNJ reconhece a dependência técnica, estratégica e financeira do TJSP em relação à Softplan e entende que essa situação também ocorreria no contrato com a Microsoft.

9. A relativização da Política Nacional de Tecnologia da Informação, instituída pela Resolução CNJ 185/2013, está restrita à adoção dos sistemas em uso (i.e., não permite aos tribunais a criação de sistemas "do zero") e condicionada à adesão das cortes ao MNI e Escritório Digital.

10. O julgado determina a formação de autos próprios para o aperfeiçoamento da política instituída pela Resolução CNJ 185/2013 e do próprio PJe e convoca "todos os atores envolvidos: usuários do sistema, representantes de todos os tribunais (com PJe implantado ou não), demais sujeitos processuais e eventuais empresas interessadas em colaborar, a fim de que sejam identificadas deficiências, levantadas soluções, minimizados riscos e concretizadas melhorias" no atual modelo nacional do processo eletrônico.


Minhas considerações

A política ditada pela Resolução CNJ 185/2013 não resistirá ao tempo. 

Não obstante as boas intenções do Conselho, o PJe não emplacou. Tem evidentes problemas de desenvolvimento e não atende plenamente aos fluxos processuais e às peculiaridades dos tribunais. Mais grave: não tem boa usabilidade. Os operadores do Direito afirmam, em geral, a predileção por outros sistemas.

Não é razoável, portanto, que o TJSP, maior tribunal do país em volume de processos e disposto a desembolsar 1,32 bi para desenvolver sua plataforma de processo eletrônico, tenha que fazê-lo sobre o núcleo do PJe e submetido às restrições do CNJ. Há, no meu sentir, ofensa à autonomia do tribunal e prejuízo aos jurisdicionados, que ficam impedidos de atuar sobre tecnologias mais modernas.

A questão tende a ser judicializada.

Acho que o CNJ deveria aproveitar a iniciativa do aperfeiçoamento da política nacional de tecnologia da informação, determinada no acórdão em comento, para concentrar sua energia na efetiva evolução do Modelo Nacional de Interoperabilidade. 

É o MNI (e não o PJe) que, no futuro, permitirá a tão-sonhada integração dos sistemas da Justiça e a ampliação do mercado de aplicativos e soluções para o processo judicial eletrônico no Brasil.