sábado, 31 de julho de 2010

Acessibilidade na igreja

IMG_2220 IMG_2219 IMG_8021

A igreja "Santa Maria Delle Grazie" garante a acessibilidade dos fiéis com deficiência física ao confessionário.

Isso é raro aqui no Brasil (cf. em http://www.revistainclusiva.com/?p=234).

Decisão do TJ-SP levanta polêmica sobre direito de autor de crime de trânsito fugir do local

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que o art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro - que incrimina a fuga do motorista envolvido em acidente de trânsito - é inconstitucional.


Sobre o tema, já me manifestei da seguinte forma:

Fuga do local do acidente e privilégio contra a auto-incriminação – a constitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro

José Eduardo de Souza Pimentel[1]

O art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, que define como crime o ato de “afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”, vem sendo acoimado de inconstitucional por parte da doutrina, diante do que dispõe o art. 5º, LXIII, da Carta Republicana, que proclama o direito ao silêncio e se constitui em garantia contra a auto-incriminação.

Sustenta-se que o condutor do veículo envolvido em acidente tem o dever moral de permanecer no local, mas, se não o fizer, não poderá ser responsabilizado criminalmente, com risco à sua liberdade.

O tipo penal, contudo, segue “a trilha da maioria das legislações, definindo o ‘crime de fuga’, forçando o motorista a permanecer no local do acidente de trânsito, com isso não dificultando a apuração da responsabilidade penal e civil”[2].

Atento a isso, pensamos que o art. 305 do CTB não conflita com o art. 5º, LXIII, da CF, que, aliás, não tem o alcance que lhe emprestam esses juristas.

Com efeito, o art. 5º, LXIII, CF consagra o direito de permanecer calado, inovação da Carta de 1988, segundo o qual “ninguém pode ser obrigado a dar qualquer possibilidade de se lhe arrancar, pela habilidade técnica, palavras que possam ser utilizadas contra sua defesa e, pois, em favor de sua condenação; e, por outra, ninguém pode ser obrigado a exprimir-se, a falar, quando não quer ou não lhe convenha. E seu silêncio não pode ser tido como consentimento. Aliás, em matéria jurídica em hipótese alguma vale a parêmia ‘quem cala, consente’. Uma interpretação desse jaez, agora, está constitucionalmente afastada. A norma é de permanência, o que dá direito ao preso de ficar sempre calado, inclusive diante do juiz”[3].

Cuida-se, à evidência, de garantia essencialmente processual, que não inibe a possibilidade de se incriminar a fuga do local do acidente, conduta altamente reprovável e que, pelas suas consequências, pode, por opção do legislador, ensejar a resposta penal.

Tem-se dito, em favor da tese da inconstitucionalidade, que a responsabilidade civil ou criminal do indivíduo que causa um acidente de trânsito não depende de sua permanência no local da ocorrência. Desse modo, a finalidade da norma incriminadora seria alcançável pela aplicação das leis civis e penal, tornando despicienda a tutela penal.

O argumento é interessante, mas serve à opinião contrária, precisamente porque evidencia a distinção entre os institutos.

Quando o art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro impõe ao condutor o dever de permanecer no local do acidente, não o obriga a fazer prova contra si. Na verdade, o dever de não se afastar do local do acidente existe para os condutores envolvidos, independente da culpa que possam ter pelo fato. Em consequência, a atitude do condutor – de permanecer no local ou fugir – não induz presunção alguma de sua responsabilidade, civil ou criminal, realçando a idéia de que a colaboração com a justiça e a auto-incriminação não são faces da mesma moeda.

O STF tem afirmado que o exercício do direito de permanecer em silêncio é prerrogativa fundamental e a compreende com o seguinte contorno:

“O direito ao silêncio - enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) - impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado" (HC no 79.812-SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16.02.2001)

Não passa despercebido à Corte, porém, que essa garantia “tem sido objeto de críticas da sociedade e dos meios de comunicação, no sentido de se conferir um bill of indemnity”, advertindo-nos sobre o equívoco de se “atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas” (HC 92.225 – DF, Decisão monocrática, j. 14/8/2007). No campo dos direitos fundamentais, compete ao interprete, antes de mais nada, identificar precisamente os contornos e limites de cada direito.

Com essas premissas, o STF concedeu, nos autos do HC referido, salvo-conduto a investigado por CPI para garantir ao paciente “o tratamento próprio à condição de acusado ou investigado, assegurando-se-lhe o direito de: i) não assinar termo de compromisso na qualidade de testemunha; e ii) sobre os assuntos que não haja dever legal de sigilo, permanecer calado, em seu depoimento perante a CPI, sem que, por esse motivo específico, seja preso ou ameaçado de prisão”. Essa Decisão, contudo, trouxe expressa ressalva, que, para nós, constitui a chave para o deslinde da questão: “com relação aos fatos que não impliquem auto-incriminação, persiste a obrigação de o depoente prestar informações”, ou seja, colaborar com o trabalho da comissão.

É lícito entender que o dever de permanecer no local do acidente corresponde ao dever de comparecer perante uma CPI, à Polícia ou em Juízo. Honra-se, com isso, a dignidade e a administração da justiça, sem tisnar a garantia constitucional do direito ao silêncio, cujos contornos são mais restritos e intimamente relacionados àqueles fatos ilícitos que poderão, eventualmente, ser atribuídos ao investigado.

Por isso, não vemos incompatibilidade entre o crime de fuga do local do acidente e o art. 5º, LXIII, CF.



[1] Promotor de Justiça/SP e Mestre em Direito Processual Penal pela PUC/SP.

[2] Damásio E. de Jesus, Crimes de trânsito, 7ª. ed., rev. e atual., São Paulo, Saraiva, p. 147.

[3] José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 4ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 159.