O presente
ensaio se propõe a responder se é possível relacionar Ética, na perspectiva de Adolfo
Sánchez Vázquez, com Tecnologia da Informação, particularmente no campo das
condutas hackers. Destacam-se, de início, tópicos da doutrina de Vázquez e, em
seguida, aspectos da evolução do hacking, conforme abordados nos documentários
“Os bons piratas” (SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO S.A., 2008) e
“Hackers: anjos e demônios” (DISCOVERY COMMUNICATIONS, INC, 2002).
Consoante
Vázquez (1984, p. 17-20), o comportamento de um indivíduo que afeta outro
indivíduo, impondo-lhe prejuízo, pode dar ensejo a um problema prático moral,
que demanda razões, juízos de valor e uma justificação interna para se saber se
é adequado ou não.
Para esse
julgamento, de nada vale recorrer à Ética. Essa ciência, segundo o autor, não
aponta para o que se deve fazer em cada situação concreta, nem diz o que é bom
ou ruim. Não trata de uma moral absoluta ou universal. Ao contrário, aceita com
indiferença a diversidade de morais e compreende que a moral se modifica com o
tempo.
Note-se,
assim, que a concepção de Ética em Vázquez tem seu valor naquilo que explica e
não no que prescreve (1984, p. 22-24). Nesse ponto se distingue, por exemplo,
da denominada ética positivista, defendida por Peter Singer, de feição
prescritiva (informação verbal)[1].
Fincadas
essas premissas, temos que o documentário “Os bons piratas” retrata o final da
década de 80 e início da de 90, quando não havia Internet ou telefone celular.
Nesse
cenário, surgiu um grupo de rapazes aficionados por tecnologia. No geral, eles
tiveram contatos com computadores através dos jogos eletrônicos e recorreram a
BBS para trocar programas e reunir pessoas interessadas nesses assuntos.
Para
mantê-las funcionando, burlaram o sistema de cobrança das concessionárias de
telefonia, pois a conexão era interurbana e a tarifa exorbitante. Era uma época
de descobertas, segundo alegam.
Em 1992, a
Polícia Judiciária portuguesa apreendeu 20 jovens, numa operação pioneira
contra os hackers. Os agentes não imaginavam que os infratores eram
adolescentes, nem conheciam o seu modus operandi. Aprenderam com eles.
A maioria
desses hackers se tornou especialista em tecnologia. Hoje, refletindo sobre o
que faziam, classificam seus atos como brincadeiras ou uma grande aventura.
Insistem que não visavam ao lucro e que não podiam ser vistos como criminosos.
Em “Hackers
criminosos e anjos” enfatiza-se o risco que os ataques hackers oferecem à
sociedade.
A ameaça
fez surgir profissionais conhecidos como hackers éticos, que mentem para
conseguir informações, acessos privilegiados a sistemas informáticos ou atuam
para acobertar os ataques sofridos por grandes corporações.
Ficou claro
nas produções televisivas que os primeiros hackers – adolescentes dos anos 80 –
estavam experimentando a tecnologia e não tinham plena consciência dos danos
que podiam causar a terceiros. Suas ações não seriam passíveis de maior censura
moral, já que esta é adquirida pelo hábito e pressupõe a plena capacidade intelectiva.
A Ética de
Vázquez nos ajuda a compreender esse fenômeno como prática moral em um contexto
específico e também o esforço que seus protagonistas fazem, ainda hoje, para
justificá-lo.
REFERÊNCIAS
DISCOVERY COMMUNICATIONS, INC. Hackers:
criminosos e anjos (Hackers: outlaws and angels). 2002. (49m09s).
Princeton, NJ. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vLulG30EM9c>.
Acesso em: 10 jul. 2020.
SOCIEDADE
INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO S.A. Os bons piratas. 2008. (1h20min03s).
Paço de Arcos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Z8Q6GPtB3SE>.
Acesso em: 10 jul. 2020.
VÁZQUEZ,
Adolfo Sanches. Ética. 4ª. ed. Barcelona: Editorial Crítica, 1984.
[1]
Informação fornecida por Benedito Luciano Antunes de França em aula ministrada
na Faculdade de Tecnologia de Americana aos alunos do curso de Tecnologia em
Segurança da Informação no 1º semestre de 2020.
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