segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Ética em Vázquez e o Hacking

O presente ensaio se propõe a responder se é possível relacionar Ética, na perspectiva de Adolfo Sánchez Vázquez, com Tecnologia da Informação, particularmente no campo das condutas hackers. Destacam-se, de início, tópicos da doutrina de Vázquez e, em seguida, aspectos da evolução do hacking, conforme abordados nos documentários “Os bons piratas” (SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO S.A., 2008) e “Hackers: anjos e demônios” (DISCOVERY COMMUNICATIONS, INC, 2002).

Consoante Vázquez (1984, p. 17-20), o comportamento de um indivíduo que afeta outro indivíduo, impondo-lhe prejuízo, pode dar ensejo a um problema prático moral, que demanda razões, juízos de valor e uma justificação interna para se saber se é adequado ou não.

Para esse julgamento, de nada vale recorrer à Ética. Essa ciência, segundo o autor, não aponta para o que se deve fazer em cada situação concreta, nem diz o que é bom ou ruim. Não trata de uma moral absoluta ou universal. Ao contrário, aceita com indiferença a diversidade de morais e compreende que a moral se modifica com o tempo.

Note-se, assim, que a concepção de Ética em Vázquez tem seu valor naquilo que explica e não no que prescreve (1984, p. 22-24). Nesse ponto se distingue, por exemplo, da denominada ética positivista, defendida por Peter Singer, de feição prescritiva (informação verbal)[1].

Fincadas essas premissas, temos que o documentário “Os bons piratas” retrata o final da década de 80 e início da de 90, quando não havia Internet ou telefone celular.

Nesse cenário, surgiu um grupo de rapazes aficionados por tecnologia. No geral, eles tiveram contatos com computadores através dos jogos eletrônicos e recorreram a BBS para trocar programas e reunir pessoas interessadas nesses assuntos.

Para mantê-las funcionando, burlaram o sistema de cobrança das concessionárias de telefonia, pois a conexão era interurbana e a tarifa exorbitante. Era uma época de descobertas, segundo alegam.

Em 1992, a Polícia Judiciária portuguesa apreendeu 20 jovens, numa operação pioneira contra os hackers. Os agentes não imaginavam que os infratores eram adolescentes, nem conheciam o seu modus operandi. Aprenderam com eles.

A maioria desses hackers se tornou especialista em tecnologia. Hoje, refletindo sobre o que faziam, classificam seus atos como brincadeiras ou uma grande aventura. Insistem que não visavam ao lucro e que não podiam ser vistos como criminosos.

Em “Hackers criminosos e anjos” enfatiza-se o risco que os ataques hackers oferecem à sociedade.

A ameaça fez surgir profissionais conhecidos como hackers éticos, que mentem para conseguir informações, acessos privilegiados a sistemas informáticos ou atuam para acobertar os ataques sofridos por grandes corporações.

Ficou claro nas produções televisivas que os primeiros hackers – adolescentes dos anos 80 – estavam experimentando a tecnologia e não tinham plena consciência dos danos que podiam causar a terceiros. Suas ações não seriam passíveis de maior censura moral, já que esta é adquirida pelo hábito e pressupõe a plena capacidade intelectiva.

A Ética de Vázquez nos ajuda a compreender esse fenômeno como prática moral em um contexto específico e também o esforço que seus protagonistas fazem, ainda hoje, para justificá-lo.

 

REFERÊNCIAS

DISCOVERY COMMUNICATIONS, INC. Hackers: criminosos e anjos (Hackers: outlaws and angels). 2002. (49m09s). Princeton, NJ. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vLulG30EM9c>. Acesso em: 10 jul. 2020.

SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO S.A. Os bons piratas. 2008. (1h20min03s). Paço de Arcos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Z8Q6GPtB3SE>. Acesso em: 10 jul. 2020.

VÁZQUEZ, Adolfo Sanches. Ética. 4ª. ed. Barcelona: Editorial Crítica, 1984.



[1] Informação fornecida por Benedito Luciano Antunes de França em aula ministrada na Faculdade de Tecnologia de Americana aos alunos do curso de Tecnologia em Segurança da Informação no 1º semestre de 2020.


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